INFORMATIVO

CERÂMICA E ARTESANATO

A cultura material como patrimônio da sociedade

Os objetos de uma coleção científica, no caso a Coleção Marajoara do Museu Paraense Emílio Goeldi, devem ser compreendidos como artefato-documento dessa cultura indígena e, consequentemente, como patrimônio cultural a partir de sua musealização. Esse procedimento possibilita a percepção desses bens como herança, tendo como ponto de partida sua preservação e exposição ao público, como forma de comunicação e interação entre o passado e o presente.
Desse modo, esses bens estarão sendo partilhados e contribuirão para a formação de conceitos e percepções individuais acerca da relação passado-presente, mesmo sob concepções museológicas permeadas de preconceitos, simbologias e de contrastes, como a mistura de peças antigas com o aparato tecnológico disponível.
A arqueologia Pré-Histórica tem como fonte de pesquisa os artefatos produzidos por grupos sociais não mais existentes. A divulgação da cultura material para a sociedade é uma necessidade premente, pois os sítios arqueológicos estão constantemente ameaçados de destruição, pelos mais diversos motivos, entre os quais o turismo desordenado e a implantação de empreendimentos com interesse financeiro por parte de empresas e até mesmo do próprio Estado. Nesse sentido, o contato com os objetos poderá despertar no cidadão comum o interesse pela preservação dos sítios, levando-os a perceber a arqueologia como uma ciência relevante para as suas vidasA identificação do paraense com a cerâmica marajoara

Herdeiro dos estilos cerâmicos das culturas arqueológicas marajoara e tapajônica, o povo paraense tem uma predileção ao motivo decorativo marajoara. Essa apropriação pode ser percebida pela produção crescente de artesanato de Icoaraci, distrito próximo à cidade de Belém, reconhecido, tanto no Brasil, como no exterior, como polo de referência na reprodução de peças² com inspiração em motivos da cultura marajoara.
No Pará, além de Icoaraci, existem mais dois importantes polos produção de cerâmica artesanal, representados pelos municípios de Santarém e Ponta de Pedras. Porém, o distrito de Icoaraci destaca-se pela quantidade e qualidade de produtos.
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A inclusão da iconografia marajoara

A produção de cerâmica em Icoaraci teve início no final do século XIX com a produção artesanal de peças de uso cotidiano, como vasos alguidares e panelas feitas de barro. Esse processo de confecção das peças é devido, entre outros fatores, à abundância do barro encontrado na região.
A partir da década de 1950, surge a cerâmica decorada, feita pelo artesão Antonio Farias Vieira, com inspiração em uma fotografia de um vaso marajoara. Outro marco importante para o aparecimento da cerâmica considerada artística foi a dedicação de Raimundo Saraiva Cardoso, artesão mais conhecido como “Mestre Cardoso”, responsável pela introdução definitiva desse estilo no artesanato de Icoaraci. O interesse de Mestre Cardoso por esse motivo decorativo se deu durante uma visita ao Museu Paraense Emílio Goeldi nos idos de 1968. Seu interesse foi apoiado por Conceição Gentil e Mário Simões, pesquisadores da área de arqueologia do MPEG, que permitiram seu livre acesso à Reserva Técnica para conhecer o acervo arqueológico da instituição. Desde então, surgiu uma colaboração que perdura até hoje entre o MPEG e os artesãos de Icoaraci (COIROLO, 2005). A colaboração se faz por meio de treinamento em contato com as peças originais, para o aprimoramento da arte de elaborar artesanato, com o objetivo de proporcionar“ [...] o bem estar da população e o fortalecimento de nossa identidade cultural.” (RODRIGUES, 1999, p.10). A busca por essa identificação pode ser considerada uma forma de resgatar e preservar o passado, perante a influência de agentes externos devido à nossa exposição ao mundo. O motivo marajoara pode ser entendido como o referente que identifica o paraense como o “detentor” da cultura marajoara e como ícone unificador dessa sociedade.
O museu que não se vê

As reservas técnicas são guardiães de coleções que fazem parte do acervo de um museu, preciosos depósitos de memória, material impregnado de informações que esperam por uma interpretação acurada, capaz de resgatar os pedaços de uma história perdida.
O início do recolhimento de objetos materiais das culturas indígenas deu-se com a descoberta do Novo Mundo (RIBEIRO; VAN VELTHEM, 1992). Os artefatos eram levados para a Europa por viajantes e naturalistas europeus, a partir da segunda metade do século XVIII até fins do século XIX, principalmente franceses e alemães, que visitavam o Brasil para coletar plantas, animais e artefatos e transportá-los para os seus países. Os naturalistas e viajantes foram os principais responsáveis pela construção de uma interpretação do país, de acordo com a percepção dos lugares visitados, o que garantia a veracidade de suas narrativas. Na Europa, esses artefatos passaram a fazer parte dos “gabinetes de curiosidades”, precursores dos atuais museus. Os objetos eram apreciados pelo seu exotismo e pelo caráter único dos materiais que os constituíam.

No final do século XIX, a tarefa de coletar passou a ter um outro enfoque por parte dos viajantes; a preocupação voltou-se para as informações contidas nesses artefatos quanto à origem e à evolução do homem (RIBEIRO; VAN VELTHEM, 1992). Os valores atribuídos aos objetos era o de testemunhar a condição primitiva e inferior da cultura americana em relação à europeia. Desde então, os objetos de um museu, principalmente os etnográficos, passaram a ter um valor não só de contemplação mas também de evidências para compreender o universo cultural de sociedades.
A coleção marajoara

A coleção de cerâmica marajoara que está sob a responsabilidade do Museu Goeldi é composta de objetos de cerâmica manufaturados por grupos indígenas que habitaram a região amazônica desde aproximadamente 500 AD. De acordo com as análises da cerâmica, esses povos foram divididos em cinco fases arqueológicas. A fase marajoara é a quarta na sequência da ocupação da ilha de Marajó e considerada pelos pesquisadores Betty Meggers e Clifford Evans (1957) como a mais evoluída.
Composta de vários objetos classificados por formas e técnicas decorativas, a coleção destaca-se pelos vasos, estatuetas, pratos, tangas, inaladores, urnas, bancos, tigelas, vasilhas, entre outros. As técnicas decorativas usadas são a pintura, incisão, excisão e modelagem A coleção marajoara sob a guarda do Museu Goeldi é formada por mais de 2.000 peças entre inteiras, semi-inteiras e fragmentos. Essa coleção é formada a partir do resultado de pesquisas científicas, comodato e doações.
Escolhida para ser objeto do estudo cujos resultados são apresentados nessa obra não só pela sua exuberância estética, como também pela importância que representa para o conhecimento da história de populações amazônicas antigas, a cerâmica marajoara está associada à cultura do povo paraense. Isto pode ser verificado por meio de impressos de divulgação do estado do Pará, de passeios públicos da cidade de Belém e artesanato que reproduzem desenhos e formas marajoaras, que remetem aos antepassados.
A seleção das peças que fazem parte do catálogo foi tarefa difícil, pois a cada olhar me deparava com formas e desenhos diferentes que expressavam significados os mais distintos. Como critério para a seleção, procurei objetos que fossem representativos da diversidade de formas e decorações. Dessa maneira, selecionei 106 peças a serem fotografadas. A partir dessas fotos, escolhi 53 para serem editadas e fazerem parte do catálogo “Cerâmica Marajoara: a comunicação do silêncio”. Vale ressaltar que a identificação das peças é a mesma do Banco de Dados da Reserva Técnica Mário Ferreira
Simões, do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Posso afirmar que a divulgação desses objetos é mais uma aliada na conscientização para a preservação desse patrimônio, e permitirá entender a história do passado a partir de uma outra perspectiva e da expressão de significados pelos atores da história de forma a apreender o momento a partir daquilo que os atores de então conseguem relatar por meio da cultura material.
Espero que essa forma de divulgar a cultura marajoara ajude a sensibilizar a população, no sentido de fazê-la compreender a importância desse acervo para a preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Os tesouros preservados

O naturalista mineiro Domingos Soares Ferreira Penna foi o pioneiro nas pesquisas sobre cerâmica e outros vestígios materiais dos primeiros grupos humanos que viveram na Amazônia. O naturalista foi também o primeiro a contribuir para a formação do acervo arqueológico do Museu Paraense durante suas viagens de exploração na Ilha de Marajó, nos rios Tocantins, Amazonas, Xingu, Maracá³ e no litoral do Pará, que transcorreram na década de 70 do século XIX (BARRETO, 1992).
Na Reserva Técnica “Mário Ferreira Simões”, os objetos são identificados e organizados, proporcionando condições de segurança, estudo, acondicionamento do acervo para posterior exibição em mostras pelo mundo afora. Como já foi dito anteriormente,

a Reserva Técnica reúne 110.800 itens inteiros, fragmentos de cerâmica, artefatos líticos e outras evidências materiais procedentes de quase todos os estados da Amazônia Legal.
A existência de coleções de arqueologia, etnografia, botânica, zoologia, linguística e de livros raros atribui ao MPEG uma grande importância cultural, derivada da significação coletiva e individual atribuída aos objetos pela sociedade produtora. Dessa forma, tais coleções permitem que o Museu Goeldi seja um lugar onde a sociedade tenha acesso aos artefatos relacionados com a sua própria história. Por isso é importante ressaltar a divulgação do acervo como fonte de conhecimento a serviço da sociedade.
A presença feminina - TANGAS

As tangas da cerâmica marajoara, juntamente com as urnas funerárias e as estatuetas com atributos femininos, são evidências arqueológicas repletas de significados que podem levar pesquisadores a inferir sobre a participação feminina na sociedade marajoara.
Também conhecidas como “tapa-sexo”, as tangas apresentam forma triangular, côncavas, feitas em cerâmica, com furos nas extremidades por onde passavam cordões para serem ajustadas junto ao corpo de mulheres.
Usadas em cerimônias e também como vestimenta, as tangas encontradas em aterros-cemitérios, apresentam formato anatômico e diversos tamanhos o que leva a crer que eram feitas sob medida. As tangas de cor vermelha, simples, seriam usadas por mulheres mais velhas ou casadas e as decoradas por mulheres mais jovens provavelmente em rituais de puberdade (SCHAAN, 2005).
Em carta enviada para Ladislau Netto, diretor do Museu Nacional, sobre os achados arqueológicos da Ilha de Marajó, Domingos Soares Ferreira Penna (1879), diz que a verdadeira denominação de tanga seria Babal, designação empregada pelos Aruans ao objeto que na sua língua sugere a ideia de avental.
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Tanga com motivo decorativo em vermelho sobre branco. Na parte superior destacam-se duas faixas com decorações diferentes. Medidas: Comprimento: 11,5 cm Largura: 13,8 cm Espessura: 0,8 cm

URNAS FUNERÁRIAS
As cerimônias fúnebres eram ocasiões propícias para expressar mitos e crenças e também para demonstração de poder. A decoração mais elaborada da urna funerária demonstrava que o morto ocupava um lugar de destaque naquela sociedade.
Além das antropomorfas com traços femininos, também são encontradas urnas com desenhos que podem representar animais, ou de forma híbrida, humano e animal. Independente do sexo do indivíduo depositado na urna, a decoração encontrada é de representação referente ao sexo feminino.
Para fazer o enterramento de seus mortos o povo Marajoara descarnificava os corpos. Somente os ossos, limpos e pintados de vermelho, eram depositados nas urnas, pois eles acreditavam que os ossos constituíam o depósito da alma e as urnas seriam o meio para a passagem a uma outra vida. Junto aos ossos também são encontrados objetos de uso pessoal como bancos, tangas, pingentes e colares.
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Urna com motivo decorativo inciso sobre engobo branco, com retoques de pintura vermelha.
Medidas: Altura: 41 cm - Diâmetro Bojo: 35 cm Boca: 32 cm

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Urna com motivo pintado em vermelho e preto sobre branco com apliques em relevo de boca, nariz e olhos. Medidas: Altura: 34 cm - Diâmetro Bojo: 32 cm
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