É preciso repensar por completo o modelo de
desenvolvimento para a região, aliando preservação da natureza e progresso
econômico e social para as populações locais. Isso vai exigir política - e
muito investimento
A ocupação da Amazônia legal, uma área de 5
milhões de quilômetros quadrados, tem sido marcada pelo desmatamento, pela
degradação dos recursos naturais e por conflitos sociais. Em pouco mais de três
décadas de ocupação, o desmatamento atingiu cerca de 18% do território.
Extensas áreas de florestas sofreram degradação pela atividade madeireira
predatória e por incêndios florestais. Como qualquer ecossistema, a Amazônia
tem um ponto limite, além do qual não será mais possível recuperá-la. Muitos
cientistas temem que a floresta Amazônica inicie um processo irreversível de
transformação em savanas se o desmatamento atingir 40% do território. As
implicações dessa transformação para o aquecimento global, os ciclos
hidrológicos e a biodiversidade seriam catastróficas.
A Amazônia abriga imensos recursos naturais, contém o
maior e mais diverso estuário do mundo, é rica em recursos pesqueiros, possui
solos cobertos por uma exuberante floresta rica em biodiversidade e dotada de
uma expressiva biomassa florestal e um grande estoque de madeiras de valor
comercial, além de dezenas de espécies de não madeireiras. A vasta rede
hidrográfica abriga um potencial hidrelétrico estimado em mais de 70 gigawatts
(45% do potencial nacional). Além disso, a região possui uma das mais ricas e
diversas jazidas minerais do planeta, com destaque para ferro, bauxita, níquel,
cobre, manganês e ouro.
Criar um novo modelo de desenvolvimento econômico para a
Amazônia deve ser uma das prioridades do novo governo. Para ilustrar o fracasso
e o esgotamento do padrão atual basta avaliar o desempenho da economia e os
impactos ambientais associados. A economia da Amazônia Legal representa apenas
8% do PIB nacional, mas contribui com mais de 50% das emissões de gases de
efeito estufa por causa do desmatamento. É um número incompatível com a busca
mundial por uma economia de baixo carbono. O esforço deve começar, portanto,
com uma redução ainda maior da derrubada das árvores.
O Brasil fez progressos nos últimos dois anos. Deixamos
para trás um desmatamento anual médio de cerca de 17 000 quilômetros quadrados
(quase um estado de Sergipe) no começo da década para algo em torno de 7 500
quilômetros quadrados em 2009. Essa redução é consequência de um conjunto de
medidas adotadas pela União e pelos estados desde 2004. Elas envolveram a
criação de unidades de conservação, o uso de tecnologia para monitorar a
devastação, a restrição do crédito rural para proprietários rurais irregulares
e o combate à grilagem de terras.
É preciso também conciliar crescimento econômico,
qualidade de vida e conservação dos recursos naturais. Embora seja um desafio
enorme a adoção de um modelo com esse perfil, há dois fatores que oferecem
grande oportunidade para que isso possa ocorrer ao longo da próxima década. O
primeiro fator é a importância estratégica dos recursos naturais da região na
regulação do clima e na diversidade biológica. Segundo, a região tem riquezas
superlativas, dos produtos da floresta e da biodiversidade passando pelo vasto potencial
hidrelétrico de seus rios e os ricos depósitos minerais. As atividades
primárias, com baixo valor agregado, devem ser substituídas por uma economia na
qual os produtos e os serviços da floresta sejam valorizados, e a renda dessas
atividades contribua para a melhoria da qualidade de vida da população.
Por fim, a Amazônia precisa de dinheiro para se tornar
parte da solução, não do problema. Um estudo da consultoria McKinsey estima que
o valor deveria ser da ordem de 340 bilhões de reais, considerando um prazo até
2030. Isso representaria 17 bilhões por ano em áreas estratégicas, como
ordenamento fundiário, ciência e tecnologia, assistência técnica,
desenvolvimento de novas cadeias produtivas e melhoria substancial dos serviços
públicos. Ao final desse período, a economia da Amazônia estaria reinventada
com base no conceito de baixo carbono e se tornaria referência planetária.
Espera-se que os indicadores sociais e a qualidade de vida no campo e nas
cidades melhorem substancialmente. A Amazônia por sua importância global para a
regulação do clima e por abrigar riquezas naturais únicas merece ser prioridade
na agenda nacional e global de desenvolvimento.
*Adalberto Veríssimo é engenheiro agrônomo e pesquisador
sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon)
Fonte: Adalberto Veríssimo - Guia Exame de Sustentabilidade 2010
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