Existe um "ser paraense", com características próprias, únicas e inconfundíveis? Para o antropólogo Heraldo Maués, professor da Universidade Federal do Pará, a resposta é sim. De acordo com ele, em qualquer Estado brasileiro, ou em qualquer parte do mundo, as pessoas têm uma identidade local. E, da mesma forma que se pode falar num brasileiro com determinadas características - ou num francês, inglês, etc. - pode-se, também, falar num paraense, gaúcho, carioca, etc., com características que lhe são peculiares e de acordo com as quais é possível estabelecer padrões para o grupo.
Quanto ao paraense, cumpre observar, em primeiro lugar, que ele é um brasileiro, com as características próprias desse povo. "Porém - ressalva Maués - há algumas especifidades que eu acho que podem definir esse 'ser' paraense." Entre essas especifidades, ele destaca a forma característica de falar do nativo do Estado. E isto inclui não só a pronúncia de determinados fonemas como também inúmeras expressões vocabulares. "O paraense ainda fala 'talho' para designar 'açougue', uma forma de falar tipicamente portuguesa", exemplifica. De acordo com Maués, o paraense é também muito caçoado pelos vizinhos maranhenses porque "chia" ao pronuncia determinadas palavras. "Nós dizemos 'tchio', 'tchia', e eles dizem 'tio', 'tia'", explica o professor.
Fora os detalhes linguísticos, há outros pormenores que caracterizam melhor esse "ser paraense". São coisas ligadas à história do Estado, à cultura, à culinária regional, etc. Um outro aspecto cultural que caracteriza o "ser paraense" é a gastronomia. Rica e diversificada, a culinária no Estado apresenta marcantes influências das culturas indígenas, africana e portuguesa. "Temos aqui pratos típicos, como a maniçoba, o pato no tucupi, o tacacá... e outros que dividimos com outras cozinhas, como o vatapá, o caruru...", explica Maués.
A mandioca - herança da cultura indígena - está presente em quase todos os pratos regionais, a começar pelo tacacá, uma iguaria típica do Pará. No interior do Estado, frequentemente se toma o açaí ao natural - o "vinho" do açaí, seu sumo -, misturado com farinha de mandioca (ali chamada de farinha d'água) ou com farinha de tapioca. Atualmente, o açaí é a fruta da moda, inclusive nos grandes centros urbanos de outras regiões do Brasil e do mundo, porém muitos costumam consumi-lo com açúcar, o que para o paraense tradicional configura uma tremenda heresia.
Outros aspecto fundamental na caracterização do "ser paraense" é sua mitologia, quase toda baseada na floresta e nos rios. Rica em simbolismos, a mítica paraense fala de incontáveis criaturas que povoam o imaginário popular, explicam eventos da natureza, justificam comportamentos e constroem uma bem elaborada cosmogonia. Da mesma forma, persiste a proverbial utilização da chuva como referência no ajuste de compromissos. Embora os ciclos da natureza não sejam mais tão regulares com antigamente, ainda é comum ao paraense marcar encontros e obrigações para "antes" ou "depois" da chuva...
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