INFORMATIVO

HISTÓRIA DA ILHA DO MOSQUEIRO

NA ROTA DA HISTÓRIA: RESUMO DA HISTÓRIA DA ILHA DO MOSQUEIRO
Conta-se que, lá pelo ano de 1520, vindo da Espanha, um navio pirata singrava as águas do Atlântico, quando, à altura dos Açores, enfrentou violenta tempestade, ficando bastante avariado. Mastros destruídos, a embarcação, que buscava as terras do sul do Brasil, perdeu a rota e, por simples acaso, veio parar na foz do grande rio. Fortes correntes marinhas empurraram-na para dentro da baía do Marajó e, em pouco tempo, aportava numa praia de areias fartas e vegetação exuberante, localizada em aprazível ilha tropical. 
Na praia do Areião, muitos nativos olhavam curiosos o estranho barco. Eram os morobiras, índios tupinambás que pescavam na baía de Santo Antônio e moqueavam os peixes naquelas areias. O moqueio, processo de conservação usado pelos índios, consiste em assar, no calor de um braseiro, o pescado envolto em folhas de bananeira ou de guarumã.
Os piratas, comandados pelo espanhol Ruy de Moschera, desceram à terra e foram recebidos amistosamente pelos nativos. Além de lhes oferecerem grande quantidade de comida, os índios ajudaram a tripulação no conserto do navio, tornando-o pronto para navegar.
Moschera decidiu, então, fazer da ilha a sua base. Saía em excursões pelas Antilhas, onde abordava, saqueava e afundava caravelas inglesas, francesas e holandesas. Depois retornava e, durante longos meses, isso aconteceu.

É provável que a denominação atual “ilha do Mosqueiro” se tenha originado de “ilha do Moschera” ou de “ilha do moqueio”. O certo é que, no mapa mais antigo da região datado de 1680, essa ponta de praia aparece com o nome de “Ponta da Musqueira”.
Entretanto, outros espanhóis estiveram na ilha. Primeiro aventureiro europeu a descortinar tão paradisíaco cenário, o espanhol Vicente Yánes Pinzón aportou na Baía-do-Sol em janeiro de 1500 e, na praia, onde pôde deleitar-se com o clima tropical atenuado pelo vento norte, observou maravilhado a imensidão de águas doces e esbranquiçadas pelos sedimentos a que chamou “mar dulce”, em sua perene e titânica luta contra o avanço do oceano sobre as terras verdejantes. Estava ele na costa oriental do rio Pará, braço sul do Amazonas. Outro explorador espanhol, Francisco de Orellana, de volta ao delta amazônico em 1545, fundeara, com certeza, sua nau na baía do Sol, entre as ilhas de Colares e do Mosqueiro. É provável ter desembarcado na praia mosqueirense, já que existe relato de sua surpresa ao constatar a abundância de peixes e frutas.
A Baía-do-Sol é a povoação mais antiga da ilha do Mosqueiro, uma vez que ali chegaram, ainda no século XVII, os primeiros colonizadores portugueses vindos de São Luís do Maranhão. Até o fundador da cidade de Santa Maria de Belém do Grão Pará, Francisco Caldeira Castelo Branco, ao deparar-se, em 1616, com a orla praiana que se abre para a baía do Sol, pensara ali instalar o primeiro núcleo de colonização portuguesa, não o fazendo pela dificuldade de desembarque das naus causada pelas enormes maresias da tarde, tão comuns naquela costa da ilha.
Escadaria da Praia do Bispo
A instalação da Missão Myribira pelos jesuítas e o casamento de colonos com nativas da região marcam esse primeiro momento da ocupação da ilha, cujas terras, no século XVIII, seriam concedidas pelo governo imperial como léguas de sesmarias, ou seja, enormes áreas destinadas ao cultivo. Assim, surgiriam os sítios agrícolas, primeiro com o trabalho de índios escravizados e, depois, com a mão-de-obra de escravos africanos. É a época da Casa Grande e senzala. À pesca artesanal e ao extrativismo dos primeiros tempos junta-se a agricultura de subsistência, com a feitura de roças. 
No início do século XIX, a ilha era ocupada pelos ribeirinhos, população mestiça, indioide, pobre, explorada, vivendo nas matas, às margens de rios e igarapés, em humildes cabanas cobertas de palha. É justamente essa população esquecida pela Regência do Império e perseguida no governo de Lobo de Souza que vai engrossar as fileiras da maior revolta popular ocorrida no Brasil: a Cabanagem.

Em 1835, quando os cabanos tomaram Belém, o governo legal da Província do Grão Pará, sob o comando do Marechal Manuel Jorge Rodrigues, ficou sediado na ilha de Tatuoca, no outro lado da baía de Santo Antônio, em frente à praia do Areião. Na época, a ilha do Mosqueiro era um reduto cabano e os rebeldes, que lutavam contra o despotismo implantado na Província, fixaram-se nas praias do Areião e do Chapéu Virado.
Depois de receber reforços de Pernambuco, o governo legalista organizou várias expedições para combater os cabanos instalados na ilha. A primeira grande batalha aconteceu no Areião, no dia 20 de janeiro de 1836, quando uma tropa de cem homens fortemente armados tentou o desembarque, mas teve de enfrentar a resistência dos revoltosos entrincheirados na praia. Após a batalha, os cabanos seguiram para o Chapéu Virado, reunindo-se aos que lá estavam fortificados.
No dia seguinte, o 2º. Batalhão de Caçadores, comandados pelo Major Manuel Muniz Tavares, desembarcava na praia do Chapéu Virado, sob a proteção de dois navios de guerra, “Independência” e “Brasília”, além de outras embarcações de pequeno calado.
Durante horas, os cabanos combateram bravamente, porém não puderam resistir ao poder de fogo e à perícia bélica dos legalistas. Abandonaram, então, as trincheiras e fugiram para as matas, onde foram perseguidos por vários dias. Ocorreram algumas escaramuças no interior da ilha e muitos cabanos morreram. Outros, entretanto, conseguiram chegar à cidade de Vigia, no continente, atravessando a baía do Sol, embora as embarcações inimigas, entrando pelo Furo das Marinhas, tentassem impedir-lhes a fuga. 
Caramanchão da praia do Bispo
O sangue dos bravos cabanos regou o solo mosqueirense, deixando sempre vivo em nosso povo o anseio de liberdade e o amor à terra. 
Após esse episódio sangrento, a ilha voltou a mergulhar na sua calma habitual. Os sítios agrícolas, ao norte, floresciam impulsionados pelo trabalho escravo, extinto no dia 06 de abril de 1888. No sul, a humilde povoação de pescadores artesanais, que pertencia à Benfica, transformava-se na Freguesia de N. Srª. Do Ó, no dia 10 de outubro de 1868, e, com o crescimento da população, seria elevada à categoria de Vila, já no período republicano, em 06 de julho de 1895. Assim, como paraíso perdido, a ilha viveu por longos e tranquilos anos até que, no fim do século XIX, uma nova invasão seria iniciada.
Ingleses, alemães, franceses e americanos, que trabalhavam em Belém, nas empresas estrangeiras como a Pará Eletric, Amazon River e Port of Pará, começaram a procurar a ilha nos momentos de lazer e para o merecido repouso de fim-de-semana. Posteriormente, a elite da sociedade de Belém aderiu a esse movimento, além de comerciantes portugueses, libaneses e hebraicos, que participaram da descoberta da ilha como balneário.
Grandes palacetes e casarões, em diversas linhas arquitetônicas européias ou em estilo eclético, surgiram ao longo do litoral, em frente à baía do Marajó e em outros locais aprazíveis. São o reflexo do apogeu da borracha vivido pela Amazônia entre 1880 e 1912, quando a sociedade de Belém primava pela ostentação, luxo e modernidade. Até uma usina para o beneficiamento de borracha foi instalada na ilha em 1924: Usina Santo Antônio da Pedreira, conhecida como Fábrica Bitar. No início do século XX, Mosqueiro era transformado em Distrito da Capital (26 de fevereiro de 1901) e, seguindo a orla praiana de sul para norte, crescia a urbanização e outras praias, além do Areião e do Bispo, atraíam os banhistas: Grande, Chapéu Virado, Porto Arthur, Murubira e Ariramba. Ano após ano, aumentava a vocação da ilha para o turismo de sol e praia.
Com a criação da linha fluvial regular para o Mosqueiro, a inauguração do novo trapiche (06 de setembro de 1808) e a implantação de transporte coletivo (bondinho puxado a burro e depois por uma locomotiva a vapor e os auto-ônibus) o deslocamento de pessoas para a ilha aumentou. É a época dos grandes veraneios, quando os navios Almirante Alexandrino e Presidente Vargas, durante décadas, conduziam a população ruidosa e animada da Capital, em viagens memoráveis, principalmente nos fins-de-semana. Naquele tempo, era costume esperar a chegada do navio e receber os passageiros efusivamente com palmas, assovios, muita gritaria e sonoras vaias. A rampa do trapiche era ponto obrigatório para a moçada da época. Após o navio atracar, tudo era animação e muito colorido no vai-e-vem dos carregadores e seus carrinhos-de-mão, no corre-corre dos passageiros buscando os melhores lugares nos autolotações, na disputa pelo tacacá da Dona Ramundona, na movimentação das bonitas garotas e senhoras ostentando roupa da moda, chapéus de palha, tamancos e varetas bordadas, na música gostosa tocada no Praia-Bar convidando à dança e ao bate-papo com os amigos regado à cerveja bem geladinha.


Hoje, a ilha ostenta as marcas do progresso. O asfalto recobriu o solo arenoso das ruas e a luz mortiça da antiga usina, que invariavelmente se apagava às onze da noite, deu lugar a uma iluminação elétrica constante e mais potente. No fim da década de 50, veio a estrada. Veio a ponte nos anos 70 e com ela vieram os carros. Aumentou o movimento e a população cresceu. Chegaram os imigrantes nordestinos, os farofeiros, os sem-terra, os sem-teto, os grileiros, os especuladores imobiliários. Devastaram-se imensos trechos da mata, lembrando a frase do compositor mosqueirense Jorge do Cavaco: “O verde é cinza sobre a terra”. A ocupação desordenada ainda ameaça as nascentes e a mata ciliar. A poluição doméstica maculou as praias e a insensibilidade da maioria das pessoas não consegue detectar a beleza e a força mágica da ilha.
Parece que os entes misteriosos e os seres sobrenaturais que vagavam dentro da noite ficaram presos no passado, mas o povo continua assombrado pelas promessas mirabolantes dos políticos que, em ano de eleição, invadem a ilha à caça de votos. E a ilha clama por justiça social e por políticas públicas que, verdadeiramente, atendam às suas reivindicações.
Claudionor Wanzeller

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